Narciso
nos dias de hoje!
Por Matheus Vieira
Acompanhando o “andar da carruagem” da sociedade, sobretudo
pelas redes sociais (sim, acredito que uma coisa reflete a outra) comecei a me
questionar: “até que ponto o uso ou o surgimento de novos recursos ou
novas tecnologias estavam melhorando ou auxiliando nossas vidas?”
Esse uso desenfreado das tecnologias pode aguçar o
narcisismo que há em nós e nos deixar cada vez mais solitários.
O mito de Narciso conta a história de um jovem rapaz muito
belo, que despertava a paixão de ninfas e donzelas. Porém, Narciso preferia
viver sozinho, pois acreditava que não havia encontrado ninguém a sua altura,
ninguém que merecesse seu amor. Um dia, cansado da caça, com muita sede e
calor, Narciso se debruçou em um lago para poder beber água. Ficou surpreso com
o que viu, admirado com a beleza da criatura que estava vendo. Mal sabia que
era a sua própria imagem. Narciso apaixonara-se por sim mesmo. Toda vez que
Narciso tentava tocar sua paixão a imagem sumia entre as águas e voltava depois
de pouco tempo. Percebendo que não poderia tocar a imagem, Narciso ficou o
resto dos seus dias debruçado na margem do lago se admirando, esquecendo de
comer e de beber, e definhou até a morte. (há outras versões, mas em todas ele
morre apaixonado por si mesmo)
É interessante refletir sobre dois aspectos do mito.
- O primeiro deles é como Narciso viveu só para ele,
desprezando as outras pessoas. No fim percebemos que Narciso buscou a vida toda
um espelho. De alguma forma é isso que acontece atualmente. As pessoas passam a
se relacionar menos e a buscar uns aos outros apenas como espelhos. Querem se
sentir belos, únicos e na busca dessa beleza acabam não percebendo que há uma
sociedade a sua volta.
- O segundo aspecto se refere à impossibilidade do toque de
Narciso. Sua paixão nunca foi completa porque ele não podia tocar o ser amado.
De alguma forma isso reflete na constante insatisfação da sociedade. Para nos
sentirmos os melhores, temos que ter o melhor. Logo, para ser o melhor, tenho
que ter aparelhos tecnológicos de ponta, ter mais amigos, ser o mais procurado
– para completar a paixão narcísica, tenho que estender a mão e buscar o toque.
Assim como no mito, a imagem se desfaz, porque assim que se
compre algo logo queremos outra coisa, por mais que estejamos cercados de
“amigos” é comum ainda estarmos sozinhos. É uma busca fadada à frustração.
Computadores, celulares e os novos arsenais tecnológicos,
redes sociais permitem romper barreiras de tempo e espaço, mas podem fazer
perder a capacidade de estabelecer relações afetivas duradouras. Nunca se
esteve tão sozinho mesmo em contato com tanta gente.
Tenho a sensação que a introspecção da solidão, as conversas
a fio, por saudade, a essencialidade são evitadas como se fossem pecados!
Muita gente compra e utiliza as novas tecnologias, pela
possibilidade de criar uma sensação de afeto. A possibilidade de ter cada vez
mais amigos é a possibilidade de se ver cada vez menos carente. E nesse sentido
a globalização e a quebra de distância possibilitam o contato com pessoas de
todo o mundo. Contato, mas e o afeto?
Gosto de pensar como Fernando Pessoa pensou sob as vestes de
Alberto Caeiro: Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores.
Simples.... não seria essa a palavra de salvação para a atualidade?!? Deixarmos
de buscar a felicidade hollywoodiana e nos contentarmos com nossa “felicidade
feinha” da Adélia Prado?
Não sei se consigo, creio que tenho muito ainda que
des-envolver das certezas sociais que nos são impostas... mas continuo
tentando!
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